O foco deste artigo vai além do questionamento sobre como responder ou posicionar sobre assuntos do cotidiano. Ele perpassa sobre a necessidade que devemos ter ao emitir opinião sobre grupos marginalizados (entenda por marginalizado pessoas e/ou instituições a margem das ações de sociedade estabelecida, retirando todo o conceito pejorativo que essa palavra vem a ter). Discordar sobre a criação de fóruns, de novas possibilidades de perspectiva de vida a quem nunca teve oportunidade de emitir opiniões é uma tarefa válida, mas nossos pareceres devem estar envoltos nesta cultura de direitos a que todos estão inseridos.
A temática da homossexualidade (e o correto é homossexualidade, pois homossexualismo referia-se a doença, mas saiu do rol das patologias desde 1993 da Classifição Internacional de Doenças - CID - graças ao empenho do movimento homossexual brasileiro iniciado em 1985, quando da retirada pelo Conselho Federal de Medicina do termo nas classificações das doenças brasileiras) ainda é um assunto que provoca rupturas em nosso pensamento, enfreado por uma cultura heteronormativa que classifica a heterossexualidade como o aparato normal das relações humanas, esquecendo da transitoriedade que a sexualidade pode assumir num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade.
Quando a Central Única das Favelas, entidade construída com valores baseados na cultura de periferia e na luta social do jovem cidadão vindo de espaços socialmente excluídos, pensou na criação de um grupo de rap formado por pessoas cuja orientação sexual possa ser (ou não) diferente da sua, a primeira perspectiva foi a de incluir. Incluir, digamos, no sentido real da palavra, de chamar para perto todos aqueles que, independente das condições escolhidas para viver, são cidadãos e fazem parte deste referencial de sociedade democrática e de direitos. Foi assim que propomos, então, a criação de um grupo de rap formado por pessoas homossexuais, o Gangsta G, constituindo na cultura da periferia mais um espaço legítimo de divulgação não do conceito ou da orientação sexual das pessoas, mas um local de informação sobre a necessidade que devemos entender o outro como um ser humano, cujas especificidades possam ser ainda não reconhecidas em seu dia-a-dia.
Precisamos entender que algumas de nossas atitudes possam transferir posicionamentos homofóbicos. Homofobia caracteriza o medo e o resultante desprezo pelos homossexuais que alguns indivíduos sentem. O termo é usado para descrever uma repulsa face às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, um ódio generalizado aos homossexuais e todos os aspectos do preconceito heterossexista e da discriminação anti-homossexual.
Cantar rap, no sentido tradutório da palavra, é bater o papo, exprimir opiniões sobre determinados assuntos que ainda não estão em voga na nossa sociedade. Assuntos, estes, em sua maioria, que mostram a real face da vida em comunidade, na favela, colocando em xeque as relações sociais estabelecidas pelo viés dos pré-conceitos inferidos em nosso cotidiano. A orientação sexual de quem vai bater o papo não tem nenhuma interferência com a qualidade musical produzida. O fato é que a poesia e a rima de um grupo de rap formado por homossexuais continuarão sendo letras de protestos a essa nossa sociedade excludente e condenatória. O rap dos homossexuais é o papo da vida de pessoas que estarão apresentando a todos nós um novo conceito de família, de relacionamento, de convivência amorosa. Um conceito de direitos humanos, de igualdade na diversidade.
Sendo assim, indagados por inúmeros comentários sobre a possibilidade da criação de um Gansgta G, a Cufa estabeleceu um fórum de discussão sobre o assunto em seu site nacional. Surpreendentemente, a maioria das opiniões ali divulgadas representa o desconhecimento de muitas pessoas no que tange ao direito humano de ser entendido em sua especificidade, de ser compreendido como um cidadão de bem, de respeito e de valor. Valores estes que vão além da cor, da orientação sexual, da idade... São valores de direitos. E para se ter direito, basta ser humano.
A Cufa convida a todos para, juntos, embalarmos no espaço musical brasileiro a oportunidade de cantar histórias de vida de gente igual a gente, cuja orientação sexual possa ser ou não diferente da nossa. É hora de colocarmos na rua, das cidades brasileiras, toda a alegria e colorido da vida promulgada sobre os valores da fraternidade, liberdade e igualdade. Vamos, Cufa Brasil, com coragem e vontade, cantar a diversidade sexual de nosso povo...